retórica

foto de Craig Gum


Quantas vezes escarneceste do brilho da noite, refugiada no teu casulo que a solidão ensombra com a envergadura das suas asas negras; quantas vezes contaste os copos vazios poisados delicadamente sobre o veludo dos teus desejos anunciando as ausências observadas pelo teu olhar quebrantado; quantas vezes quiseste rasgar o linho dos lençóis e encher o nada com as plumas da consternação; quantas noites ficaste ouvindo as distâncias que te lembram a incerteza dos afectos?

Diz-me: quantas vezes te quiseste morta enquanto a vida te perseguia com a dor trespassada nas horas e nos gestos mordendo selvagem o teu corpo fechado e apertado; quantas foram as vezes que ao espelho cuspiste as chuvas e te acomodaste como a tartaruga hibernando até ao eclodir febril da primavera; diz-me quantas vezes foste além sem dar qualquer passo, ou com que esforço quiseste empalar a solidão para veres o sorriso de um beijo que te saudasse

- bom dia!,

quantas vezes?

Quantas vezes não foste tu e colocaste a terra no firmamento sentindo-lhe o peso eterno? Diz-me quantas vezes escreveste a sangue a palavra amor e somaste as cinzas da tua esperança? Muitas, poucas?

Diz-me: por que que te doem essas lágrimas?

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