o asilo de cristo segundo o próprio

foto de Lars Delling



Que esta premonição, de terrores nocturnos sob crepuscular lua, ou de embriaguez entre a diagonal do sol, te não desperte em sobressalto o espírito, por estertor da morte próxima, ó meu gentil profeta delfim, agnóstico apóstolo, servo meu sem propósito! Tu e os outros semelhantes que optaram por me ver como igual, flácido e túrgido da mesma carne, escarninho e opaco de esperança do mesmo espírito. 

Não venho a ti para a ridícula redenção, se estúpidos e exasperados foram os actos humanos chegados a esta bolha tão tensa no limiar de imensurável e jamais equacionada retracção universal, 

(beirute a exemplo actual, hiroshima e nagasaki como memorial de outras longas viagens, entre tantos cruz-credo-em-nome-de-jesus, e mais credos passados, seculares quanto tem vingado, da sua vil semente, a seiva humana bufada pelo pai, a eterna condenação de caim) 

venho apenas para te pedir perdão e asilo. 

Não somos vítimas senão da mesma e própria praga, pestilência física e moral em nossa imunda cloaca fecundada que dela ousamos colocar ovo no mundo 

(e que colombo, inútil de tão ingénuo, nos fez ainda mais perdidos por façanha tão destrutiva). 

Somos, sem sombra, a peste colhida como joio, o já adulto dejecto dessa criação milenar em ninho alheio concedido por este saturado planeta. 

Por favor: quero como asilo a funesta última morada, quando o sol, já findo no seu território, e a terra, com o seu peso húmido, apelem à competência orgânica de todos os corpos ainda viventes, geometricamente colocados em caos. Então, virá um pó que se levantará quando esquecidos serão os dias que tenham remotamente ouvido qualquer história sobre isso que ousei chamar de amor entre a humanidade, e ela em si, que lhe desejo pena capital sem prévio cárcere e jugo. 

Isto escrevas, fundindo as últimas palavras em grave pedra. Eu já não sou, não quero e não suporto mais o peso. Resigno-me, e dissolvo-me no vapor. Tudo o que vier depois serão grãos de um deserto enorme, que sandália alguma ousará, nenhuma vez, atravessar. E nem sequer à sua orla há-de chegar quem, anjo ou qualquer outra criatura divina, por decrépita e misericórdia esperança, quiser chorar pela salvação do que agora 

(e ainda) 

somos.



Comentários

delírios mais velados