verde



Trazei a gamela dos porcos, que a festa é rija; e o aniversariante, escamado, vem de veludo ou oleosa pele a inaugurar a segunda metade do seu século. Disse escamado? Também escarnado, ensandecido; não vai dar tudo ao mesmo lugar dos que calejam com a vida? 

Cá está o João, e vem rodeado de uma dúzia de copos brilhantes como os olhos ébrios de quem os bebe. O que é isto, pessoas, temos rabi, mestre, monge tibetano? Desamparai a loja ao homem, caralhos! 

Vem cá. Assim, para o pé de mim. Vês no teu bourbon esse pêlo espesso e escuro que boia? Era caso para perguntar 

- Há um pêlo púbico no copo deste homem, alguém quer vir reconhecê-lo? 

(perdoar-me-ão o plágio). 

Olha, agitam-se as cortinas, de brisa fresca. É chegada a hora, não é, meu menino? Encheram-te as três assoalhadas com primos, amigos, mais as namoradas de quem se diz primo e amigo, e tu, enfim, népia, estranhas uns e outros. Já para não falar da avó do teu filho, que não vias há que séculos, a tua sogra, 

(título horrendo), 

a salivar de cada vez que vê uma cara nova como se soubesse quem é, ou então convencida que será um dos teus três cunhados ou a tua mulher. Felizes os convidados para o esquecimento do Senhor! 

Tu, meu menino, que tens andado a suar de exercício físico na orla da manhã, a cumprimentar os velhos que se atravessam na rua e ali se plantam, a observar a tua labuta de camisola encharcada e os bofes de fora 

(por que não deixaste o cigarro mais cedo?) 

com os seus bons dias a extinguirem-se pela tua indiferença, preocupado que segues, marcha ligeira, no cumprimento do objectivo. E tanta coisa só para recuperares o fôlego que a tua mulher tem vindo a exigir 

- Onde foi que essa coisa que se perdeu, João? Diluiu-se na barriga? 

E contavas com tarde serena hoje, a emprestar o velho toyota ao imberbe do teu filho de vinte e oito anos para que se pirasse para a praia, ou para o raio que o partisse, e deixasse os pais em paz, tu e a tua Rute, a fantasiares saires então de um banho aromatizado, surgindo na sala todo nu a atrapalhar o engomar da roupa da tua mulher: 

- Queres ajudar-me num exercício extra, Rute? 

Só que não, desgraçado. Abriste a porta das tuas três assoalhadas depois de duas horas de conversa fiada no café da esquina e, eis estas caras ocas a operarem o pânico da tua surpresa 

- Feliz aniversário! 

a arruinarem a tua líbido 

- Se isto continua assim, João, mais vale que me deixes dormir sossegada. 

Então, que queres mais? Resigna-te, e inaugura com lixivia a decadência do teu corpo. E quando vier o bolo não esqueças que ao soprar das velas ainda prevalece o direito de realizares um desejo, desses que sabes bem que os já perdeste e só por grande fortuna te fizessem ainda a colocar o pensamento num talvez e se, inebriado por essa coisa da esperança 

(essa que dizem que é verde, tão verde com o limo, esponjoso do musgo das margens lodosas do rio, esse mesmo verde em que) 

de simular o que não foste durante os anos que poderiam ter sido a tua era dourada 

(verde lodo onde as tainhas descansam da sempre iminente procura do lixo para seu provento). 

Olha o blues que colocaram a tocar para ti, tão antigo, rememoração dessa infância que, percebeste nas últimas longas noites de insónia, nunca te saiu do corpo, muito menos da alma. Sopra as velas, João, não as molhes de cuspo como se quisesses tomar o lugar da tua sogra- será ainda cedo para tal. Quem sabe se, por desejo concedido em dia de parabéns-a-você, enfiada na máquina de lavar a louça suja da louca festa, o teu filho noite fora a foder as imberbes raparigas de outros tantos vinte e oito anos, venha a tua Rute a exclamar, entre o espanto de tanto tempo de desilusão e o orgulho perdido 

- Olha que duro, amor! Hum, sabia que ias gostar desta surpresa… 

Sabes bem hoje, João, que, após um tão húmido hum da mulher que se deita contigo há trinta anos, tens de fazer o possível e o impossível, acrescentando suor e músculos doridos ao cúmulo. E, se algo falhar, há ainda aquela filosofia dos que dizem: «de mulher alguma temo, desde que funcionem língua e dedo».

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