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ilustração de Fabien Merell |
Ele escreveu trinta mensagens
iguais para trinta mulheres diferentes. Nessa aturada escolha, terá pensado:
– Não quero nenhum indício de
previsibilidade, simetria que insinue um padrão, sequer assinalar quaisquer que
sejam pontos em comum, físicos ou psicológicos.
Fez até rascunho manuscrito e deu
por si a tentar manifestar por trinta vezes diferentes a sua caligrafia.
Ao final de trinta horas,
(fora as que dedicou para o sono,
as suas refeições, o ignoto modo de ganhar dinheiro para sobreviver, bem como a
prática minuciosa da sua higiene corporal, na mesma particularidade de (ou pelo
menos tentar) escolher trinta formas de executar todas essas tarefas – contas feitas,
em dias, foram os trinta do mês de junho),
premiu as trinta vezes no teclado
do computador, mais as necessárias multiplicações do acto, para, em 30 minutos,
aceder e escrever às trinta páginas escolhidas da rede social.
Daquelas trinta mulheres a quem
se dirigiu nunca foi sua expectativa receber trinta respostas distintas, tanto
que percebeu, com gáudio, que tais respostas foram menos que a metade das que
enviou e, embora não fossem iguais, tiniam pelo mesmo timbre de rispidez, antipatia
e ameaça.
Decidiu então que faria apenas
menos que quinze aproximações à morte, as mesmas com igual possibilidade de
deixar de vez o mundo. Porém, deste cenário traçado, não concretizou uma das partes
do negócio que havia acordado com a sua própria alma, vencido pelas aleatórias
artimanhas do corpo e dos instintos.
Na véspera de ficar conhecido
(pouco lhe importou se terão sido
trinta, se quinze, ou um minuto de fama)
sorriu com os dentes ausentes, sorriso
esse que lhe terá puxado o impulso de soltar, alarve, como bonacheirão muito bem-disposto,
trinta gargalhadas sonoras
(não pôde garantir, aqui, se
foram trinta formas diferentes de riso convulso).
Encarcerado hoje, dorme. Dorme
boas horas, e quer o pensamento distanciado do futuro. Que trinta palavras foram
essas que escreveu e partilhou por trinta mulheres diferentes, afinal?
Terminando, assim, agora, condenado
(diz a coincidência do juízo)
a estes trinta meses de cárcere?
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