tradução

Roberto Ferri, Il rito


De onde vier a luz, traduz-me. Procura o signo dos léxicos na leitura abundante da minha pele clara. Corrompe o cânon da sua delicadeza, mergulhada no acetinado desespero pela saudade do toque dos teus dedos. Quero ser tua musa e ninfa, perpetuada na mais feliz criação que ajustarás à eloquência de qualquer idioma canção dos povos do mundo. 

Eu sei que sou o teu poema, o teu sonho encaminhado para a desejada realidade exultada em abundância criadora. Cada poro meu é sílaba articulada cuidadosamente, sem precipitação, no movimento da tua língua. Estende-se pelo prado bravo da minha pele o hálito de vida e beleza cedido pelo vapor da tua voz, a dizer-me, a soletrar-me, a erguer-me num hino. 

E fazes-me fonema, ritmo e rima quando me inundas o peito com o beijo da tua caligrafia. Das rosas, éter perfume, da minha carne, concreto desejo de fome. Do teu amor, a simbiose. 

Desnudo-me para ti e perante ti serei completa do mundo que absorves com o olhar inquieto, ávido de curiosidade. Meu corpo nu pronto para que o auscultes, a tua multidão de gente, o teu banho de humor humano. Concedes que me faça deusa e cresça, segura, no altar da tua mente. 

Possa eu, assim, mulher tua, assassina do teu passado, fertilizadora do teu futuro, difundir-me em ti, plena e lírica, para a construção substantiva da epopeia que levas na alma. Haja festa, vinho e fruta então; e me exalte, em extremo clímax, quando da tua dedicatória final, firmada em meu ventre com o suco da tua virilidade.



Comentários

Margarida disse…
Passo e leio. Regresso e volto a ler (absorver?. Pergunto-me, pergunto-te: o que farás tu realmente um dia quando tudo arder?
Margarida disse…
Entendo mas não aceito, há sempre algo a fazer. Ficar? partir? Hoje li um poema sobre mulheres aladas de Lídia Jorge. Senti que me cresceram asas mas, ao contrário dessas mulheres, eu não parti estive sempre no ninho, talvez as minhas asas tivessem ficado danificadas quando tudo ardeu ou então, talvez eu simplesmente tenha escolhido ficar. É tudo uma questão de vontade.
Margarida disse…
Volto para rectificar porque sei (imagino) que gostas da perfeição. O poema que refiro no comentário anterior não pertence a Lídia Jorge mas sim a Lília Tavares. Perdoa o lapso quase imperdoável.

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