projecção



A tua insegurança, meu amor, atira-me para parte incerta. Recebes-me as graças do corpo, volteias-me o coração em passos de tango, infliges o beijo, o olhar profundo, a ternura, carícia e desejo no teu sexo em alarido. Abalas então sem que ainda tivesse tempo de curar a saudade. Libertas-te com a mente em redemoinho, sequioso de vontades que nunca revelaste, entrando no teu interior e eu 

– não percebo se aflita – 

sigo à deriva, nunca sabendo que lugar posso ou poderei ocupar em ti. 

Insistes em dizer-me, floreado e palavroso, que te tens bem seguro, todo resolvido de amor próprio, ainda que agarrado a certos medos que, garantes, serem indicadores da tua sobrevivência. Eu sei que não consigo viver nesta intermitência, mas assumo-a como modo de vida. Consolo o espírito a recordar o teu cheiro no intervalo do meu. Rejeito-te por orgulho ferido e reclamo-te por vaidade de te ter em mim, nos teus regressos sem promessas. A constatar no teu olhar sempre essa inconstância. Então eu, como se rejeitada, a um canto ocupando o lugar incerto, ilha deserta onde a tua barcaça vem aportar como que trazendo provisão. 

Debaixo de água, submergindo corpo e alma, projecto-me para lá do que havia de ser entre o que há de mim e da incógnita de ti. Nem sei já se sou ainda tua mulher, ou se alguma vez fui. Terei encalhado, espectro do que pensei ter sido eu, a minha história, as vivências, as ambições. Encalhada em balsa alheia por me faltar o engenho de navegar e circundar ao largo dos perigos. E, circunstancialmente amada e repelida, vejo-me desenhando sinais de ausência 

– de mim, de ti, de qualquer outra coisa que talvez não entenda – 

e termino. 

Tu virás procurar-me.

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