derradeiramente eterna

foto de Mariana Pereira (instagram @sousa.msp | @gs_infoccus), gentilmente cedida


Quero esta e outras manhãs para mim. Subir às praças esquecida do que está fora do meu alcance. Vou largar prospectos, folhetos, cartas. Direi avisos, poemas aleatórios, sensibilizar sobre rumores e tempestades. Vou pousar a voz em outras vozes e ousar o ombro, semear cumplicidade, sem acenos. Largar a janela como horizonte, viajar com regressos adiados. Por essas tão polidas escadarias, quero construir vínculos com a multidão. E terei de alinhar-me, ligeira como o vento estendido sobre as pradarias, com o olhar dos gatos atentos na caça doméstica dos insectos. Quero ser pessoa entre pessoas e ângulo demorado quando da sedução faminta dos amantes. Quero ter um gesto sobre os seus rostos, adiando a saudade. Ter as palavras para explicar o que vai correr de feição. Tentarei abrir a boca e engolir cataclismos privados. Suprimir algumas lágrimas que se derramam cruas como leite, tintas e óleo, ter as texturas sob os dedos para dar garantia aos sentidos, ouvir como quem dorme, respirar como se a afogar, mexer a língua entre o borralho. Hei-de conseguir planisfério e abóbada, furos de lebres e torres altas de menagem. Secar os sinos do luto e da labuta. 

Vou, antes disto tudo, perpetuar o presente com a mão estendida, sorriso esquecido sobre equívocos passados e assumir a largura do espírito sem esperar futuro. Sana loucura de ser deusa entre os demais, decidindo que o tempo uma vírgula de ilusão. Vou ao calor do teu corpo e, afastando a resignação, pedindo a tua resposta, derradeiramente eterna, ao questionar: 

- Estás comigo?


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