impreciso silêncio
A morte chega num impreciso e
imprevisível silêncio do crepúsculo. Faz-se de membros, de uma difusa sombra
onde pudessem estar olhos e boca, talvez uma brisa, muito fria, e movimento a simular
uma aparente normalidade. Uma pequena faísca (fosse a morte brilhante para
tal), que num instante aconteceu para ficar esquecida, sem se saber o
fundamento de ter acontecido. E diz-se, numa resignação ao lugar-comum das
palavras vazias: «é a vida!», quando não é vida alguma, é antes toda a sua
negação.
E esse instante cobre-se e faz-se
de total e absoluto silêncio, um singular momento que nenhum relógio ousará
contar. Talvez por isso seja, afinal, a eternidade, essa coisa imensurável. Falsa,
tão efémera, no entanto, pois essa partícula de tempo significa o que foi e
deixa imediatamente de ser. Não pode, sequer, conter-se em qualquer tempo
verbal, nem ser falada, nem ser ouvida, nunca grafada. Não tem palavras. Não há
espaço dentro ou fora ou a delinear. Não possui, não é possuída, não pertence.
Impossível medir. Não cabe na existência.
E, ainda assim, assustadora:
damos pela sua presença para então assistirmos a um nada que nos escapa. Fica
assim, um nada que nos coloca de cabeça à banda, corpo e alma inertes, um nada
varrido a silêncio sem recuo ou avanço.
Se a noite cair e o crepúsculo
der lugar ao negro cego, nem nós mesmos estaremos cá para dizer que a testemunhamos.
Comentários