em pleno

 
foto de Ekaterina Alyapina


Deslocou-se o tempo no calendário, as tardes crescidas adiando a tristeza dos crepúsculos. Deslocaram-se os dias como se não os tivesse sentido e todos os fins-de-semana entre azáfamas desvaneceram. Veio o sol, choveu, houve mais sol e calor, ventou, já se fez praia, nas moitas o perfume amarelo da giesta, agora vento e outra vez chuva com frio entre as ressas do sol de maio.

Ficámos a ver o tempo passar sem que houvéssemos tido a feição de nos aproximarmos – pelo menos o quanto eu desejaria que nos aproximássemos – nos dias em que a brisa lambia de calor as colinas, e a ternura das nossas mãos dadas bastaria para o concretizar. 

Sou de regredir na memória, quase a diluir-me entre o que podia ser ou não das coisas do passado, sem vocação alguma, no entanto, para alimentar nostalgias. Porém, será a nossa causa coisa já de um passado? – não acredito e tu bem vejo que tal ideia a rejeitas também. 

É o quê, então? Quem somos, e o que adiamos, se fomos concebidos de um para o outro? 

Adoro-te. Encantas-me com o teu rosto recebendo esta maresia, os teus cabelos soltos como borboletas, o som do mar a fazer de chão ao meu desejo. Como quero chegar a ti, tocar-te, devolver-me em ti ao vinco da nossa terra da semente que somos. Como te desejo e não sei o caminho, os gestos. Só sei do medo. De me quebrares em estilhaços com uma rejeição. O que me parece é que ainda não amadureci os teus intentos, ou estarei pateticamente esgotando-os. Vou depreendendo do teu sorriso e da simpatia em me concederes ao teu lado que ainda há em ti a reserva de quereres continuar a guardar o teu espaço. 

Se finda a tarde, fazendo crescer o véu do crepúsculo, soluço de amargura por ver-te em maneiras de partir. É de areia ainda o sal nos meus olhos, a insistir na sede do teu corpo. Afastas-te e finjo descansar a cabeça sobre os braços apoiados nos joelhos. Creio que gritaria, se a vergonha de me veres em lágrimas não fosse tão cruelmente piegas, e a sair do contexto do que sou. 

É pela madrugada que solto o pranto, sempre em silêncio, cismado com os sonhos de vigília no rescaldo das insónias, porque é assim a paixão percorrida no corpo: veneno e mel. Sonho como serás tu toda, de pele e braços, pluma e feno, o teu peito e os teus lábios, marinados em primavera. Já não se vive agora de sonhos, pois não?, com o tempo a atravessar-se assim entre tudo e todos… 

Inseguro, apenas posso contar com a certeza de que ainda me falta a latitude certa para chegar a ti em pleno. Oxalá saiba contradizer o espaço e conter o tempo.

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