como quando tudo de novo cresce



foto: Alexandr Shebanov


Torno a cair de amores e o acto de apaixonar-me é tão volátil em mim. Vejo-te uma duas vezes e à terceira estou a tecer ternuras desmesuradas, observando-te a cruzar as pernas numa voluptuosidade que me absorve em ansiosas tremuras.

E depois o ritual cumpre-se entre as chuvas e o sol de dezembro, como se perdesse a noção de todos os clichés da primavera, dos ninhos dos pássaros nas árvores, do nardo das flores crescendo nos prados. Tudo agora aqui neva, gela, humedece,

(honestamente: apodrece)

e as flores há muito que morreram para a conjugação de um fruto próximo entre a semente nova e o ar mágico do solstício de inverno. Pois nada disso me interessa, se és tu o sol e o ano, e os relógios parados numa madrugada qualquer. Existem prados verdes no teu ventre, céu de abril nos teus olhos.

Recordo-me a beijar-te de leve, com um breve roçar dos lábios sem infringir quaisquer normas de pudor, e é sempre como se houvesse o esplendor de novos mundos fecundos em nós. Acrescento ao quadro uma lareira para melhor aconchego, e surgem os teus braços enovelando-se nos meus, o teu peito inchado com a aflição natural das fêmeas,

(já sem pudor?, ou que significará pudor connosco?)

para te tomar por baixo do meu frenesi: arrepiado de paixão. Como se brilhasses de ouro e cristal. Como se o teu tronco fosse o braço da via láctea atravessado na minha cama. E por isso ignoro o que me rodeia, nada se torna mais importante ou maior que tu. Serves-me o paladar de fruto da tua pele. Soltas com os cabelos as brisas de maio num dezembro renegado, assustando as sombras polutas do meu quarto.

Mas quando consumado o fogo e os corpos adormecem apartados e sem pretextos

(uma e outra vez, como tudo se repete quando são tão efémeras as minhas paixões por ti)

deixarás a chuva cair para meu espanto, despertado por um frio agreste de ausência, e atrás dos teus passos retomarão as penumbras aos seus lugares nos espaços vazios. Torno a cair de amores e o acto de apaixonar-me é tão volátil em mim. Recrio-te quando sinto mudo o céu no seu tom de chumbo. Para acreditar que nunca morreste, que jamais partiste.

Vens sempre buscar-nos como quando tudo de novo cresce.

Comentários

Anónimo disse…
nas tuas palavras, as flores nascem, alexandre. que te apaixones sempre e continues a escrever assim, é o que desejo. um beijo*

delírios mais velados