da janela entardecendo


Paisagem da janela por Maringá em overmundo


Demora-se a tua ausência na rua deserta, nas janelas em frente sem rostos que venham espreitar sequer. Os automóveis passam escuros como objectos incógnitos, e os autocarros seguem vazios com a sua luz branca esbatida a lembrar salas de espera de urgência hospitalar madrugada dentro. Aos poucos a suspirada claridade do crepúsculo vai vestindo a penumbra que sai nascida nos recantos, nas esquinas, nos jardins desertificando. Percebe-se a agitação lenta dos ramos altos das árvores ao vento ameno anunciando um princípio de noite mais frio do usual nesta altura do ano, como se o verão se tivesse distraído ou quisesse esconder-se, a adiar o seu compromisso.

É certo que a noite vindoura será viva e animada em muitos pontos coloridos da cidade imensa e quiçá nesses pontos nem se venha a notar ponta de frio, são microclimas de calor humano que rejeito sempre penetrar, menor é ainda a vontade se não estás. E embora se sinta o cheiro desses verões muito particulares, apesar do vento, nada disso sucede nestas paragens que vão emudecendo com a noite. No mínimo nada acontece ao alcance desta janela onde testemunho os arruamentos entristecidos no latir dos cães que parecem ao ouvido tão distantes uns dos outros como se comunicassem o seu choradinho entre fronteiras intransponíveis.

Não teria dado conta desta melancolia a suspirar o desalento das sombras que crescem devagar não fosse esta tua ausência. E nada a remedeia: inflama-se este sofrimento triste de ir vendo e sentindo o dia fechando-se, guardando-se para a incerteza da próxima alvorada. Cá dentro, sobre estantes e móveis transpirando indiferença, as fotografias são folhas mortas de outono, apenas instantes retidos num passado irremediavelmente perdido. Nem a música ajuda, entoada como se a falar a espectros, como se os seus decibéis não interferissem na mesma dimensão onde estou. E os livros calam-se igualmente: afónicos e sem alma, sem carne, sem cheiro.

Tanta vida adiada quando tudo isto é sem ti, quando habito a tua ausência tão demorada.

Comentários

Carlos Ramos disse…
É dificil calçar sapatos em pés tão magoados de andar caindo, tropeando por aí nas ausencias, nos ossos...

abraço

delírios mais velados