encontro II

Maya


Pigarreia-me a voz, arranhada e seca. E os gestos acompanham a mesma rouquidão, gagos e disléxicos como quem mete as mãos pelos pés. Cresce às faces o sangue num rubor de glande nervosa, escaldante carmesim a incendiar o pudor, nadando aflito até às lágrimas. Pronunciar neste estado o teu nome ou esboçar-te um tímido olá revelou-se numa tarefa árdua e difícil de concretizar. Não que fosse impossível - a vontade, se não inibida pelo desastre, pode mover montanhas. Mas não foi o caso. Tudo era desastre em mim: o ventre dilatado da cerveja entre os amigos, a barba crescida pela preguiça de contínuos maus despertares, a roupa desleixada e amarrotada. Felizmente não padeço do odor forte de quem transpira um dia de labuta. Senão era a catástrofe. 

101 cigarros pigarreiam à porta da comoção, a saliva atropela-se ao engolir, o ritmo do peito dispara sem conhecer meta a atingir, e os dedos das mãos como folhas mortas e humedecidas com o orvalho da exaltação – és como uma manhã nova para mim, espelhada no fresco azul dos teus olhos, na seara de intenso odor a frutos dos teus cabelos, a manhã mais clara e limpa quanto desejaria conhecer. A língua não soube ampliar o acorde das palavras. Era uma papa cheia na minha boca. Os lábios, esses, poderiam oscular, ferver sobre os teus ou diluir-se em tua extensa pele de feno. Porém, som nenhum conseguiriam produzir. 

Portanto, nem os lábios, nem os gestos, nem nada em mim que se movimente, salvo a palpitação surda no tórax. Nada pode chamar a tua atenção, que possa tirar de ti sequer um simples olhar. Sou objecto patético na tua presença. E agora que te afastas, sou árvore a viver plantada para todo o sempre com sombras e banquinho de velhotes a colher nostalgias como a chupar do solo a seiva com que se alimenta. Vegetal e ignorado. 

Quando o mundo der uma volta completa pode ser que nessa altura sim: bem composto, ex-fumador, recolhido e sedutor. Para passar a ignorar-te eu, como a um arbusto que incomoda as vistas.

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