cidade
foto de Filipe Golias (daqui)
Aguarda-me a árvore frondosa entre as vistas da avenida que sobe a cidade como um golpe profundo de faca
(e onde a faca?)
a amparar as sombras sobre os automóveis monótonos em ronco de feras domesticadas, e as pessoas gastando solas e saliva e gestos e risos e palavras e afectos; os prédios inclinados ao olfacto do asfalto exposto;
A árvore aguarda-me vergando cortesias ao vento, e as pontes braços atravessando o cheiro a sabão do rio grávido de abismos, cemitério de organismos e ferro-velho; rodam os automóveis, correm as pessoas, e eu largando-me pela sombra estendida enquanto o verão ainda por parir nas praias que maio enche de relâmpagos.
Aguardam-me os ramos frondosos da velha árvore nascida onde a memória não sabe alcançar e a avenida subindo, hipertensa, como uma faca esventrando a cidade.
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