pretextos


A hell of a sky, por Dinis Cortes em 1000 imagens


Sinto-me feliz, sabes?, como já há muito tempo me não sentia. Ficaram enterradas as angústias nas cavernas orgânicas do cérebro, e sei - sim, eu sei -, no sangue fizeram-me correr substâncias químicas que actuam como uma avalanche de imbecilidade sobre a entrada das cavernas onde encurralaram os problemas que me sobressaltavam, os pensamentos que me incomodavam, soterrando-os em escombros de apatia. Junto ao espelho raramente me reconheço: as pálpebras descidas, a boca invertida num arco pateta. Divirto-me com isso e não poucas vezes solto uma gargalhada perguntando ao espelho quem és tu?, embora possa garantir que ninguém me ouça rindo. Preenchem-me os dias de um cansaço sereno, a língua entaramelada de palavras gastas, como se sempre as mesmas. Pouca atenção dou ao que ouço se não me for dito cara com cara em que concedo um ahn desinteressado. E descanso depois com uma leitura leve, um filmezeco na tv sem muitos dramas ou excessiva acção e suspense, enquanto as pálpebras vão pesando vigílias onde já não entram sonhos estranhos. Ficaram perdidas as frustrações nos escombros. Não quero voltar atrás recuperá-las. Sabes, é que me sinto feliz, e que se foda o mundo, entendes? Prefiro assim do que ter a cabeça e o corpo numa ressaca permanente com problemas que, agora que a imbecilidade me ajudou a pensar melhor, fariam soltar dos olhos marés de angústias, nos dedos agulhas de frustrações, e sem qualquer motivo de interesse pelo seguir da vida. Sempre ouvi dizer que os idiotas são os mais felizes, mas remeto-me para aquela canção do Sérgio que explica Por pretextos talvez fúteis, a alegria é o que nos torna os dias úteis. A imbecilidade será por algum tempo o meu pretexto, até que possa novamente erguer os estores das minhas janelas. E renascer nos dias raros.

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